quarta-feira, 16 de março de 2011

OLHAR O INVISÍVEL

Desenhar, pintar, garatujar, construir, esculpir, gesticular. Muitas acções que se resumem, na sua essência visual à utilização de uma lista básica de elementos. Independentemente dos materiais ou aplicações usadas (pedra, papel, madeira, etc., etc.) são os elementos da comunicação visual que constituem a essência do que olhamos e o seu número é relativamente reduzido: ponto, linha, contorno, direcção, tonalidade, cor, textura, dimensão, escala e movimento.
Poucos mas bons, estes elementos, porque são, verdadeiramente, a matéria prima de toda a informação visual. O que nós fazemos, ao criarmos uma obra, é tão somente eleger e combinar de forma selectiva os elementos básicos. O resultado pode ser um "Guernica" ou uma catedral, um "clip" ou um pedaço de arame.
Portanto a estrutura de um trabalho terá mais ou menos impacto de acordo com a escolha dos elementos básicos a utilizar, as combinações seleccionadas e o ênfase dado a cada um deles.
Grande parte do que sabemos sobre a interacção e o efeito da percepção humana relativamente ao significado visual deve-se, como percebemos na aula sobre a teoria da forma, aos estudos e experiências da psicologia Gestalt. A sua base teórica leva-nos a perceber que podemos analisar qualquer obra visual a partir de diferentes pontos de vista, sendo que um dos mais reveladores é aquele que consiste na decomposição da obra nos seus elementos constituintes para melhor compreendermos o conjunto. No fundo, podemos brincar com a obra destruturando-a para melhor a compreendermos. Salvo as devidas diferenças é como fazer a análise de um texto literário. Veja-se, por exemplo, esta frase retirada de um livro de Sophia de Mello Breyner Andressen (A Menina do Mar): " Sentia-se feliz, alegre e contente como um peixe". Uma frase simples, que nos transmite uma mensagem muito directa mas que utiliza uma série de recursos estilísticos (os nossos elementos básicos), como por exemplo a adjectivação (com o reforço da ideia), a comparação e simultaneamente a personificação. A beleza de um texto literário (e Sophia é mestre nesta área) encontra-se no ritmo das frases, conseguida através de recursos de estilo. Na comunicação visual os elementos básicos são as figuras de estilo. O grande artista, ou o grande comunicador, é aquele que consegue associar os diferentes elementos e comunicar, provocando sentimentos e emoções.
Utilizar os elementos visuais básicos como um meio para o conhecimento e compreensão quer de uma obra específica, quer do que nos rodeia (a cidade, a natureza, o mundo), é um excelente método para percebermos como aquilo que é visível muda (ao longo do tempo, acompanhando a história) mas o invísivel (o elemento na obra) está sempre presente. Por outro lado, percebemos também que dependendo do tipo de obra analisada predomina mais um ou outro elemento. Sabemos, por exemplo, que a ciência e a arte da perspectiva se desenvolveu extraordinariamente na ápoca do Renascimento, daí que as obras de arte daquela época tenham como característica a presença da noção de bidimensional, nomeadamente com a aplicação na perspectiva da técnica "trompe d'oeil" .
Tudo isto para dizer que os elementos básicos da comunicação visual estão presentes, abundantemente presentes, diga-se, à nossa volta, em tudo o que nos rodeia. E em todo o lado podemos perceber a harmonia (ou falta dela) da expressiva, sóbria e sensível linha; a riqueza visual do ponto (base constitutiva de qualquer imagem fotográfica analógica) e de todos os outros elementos.
A comunicação visual tem, obviamente uma linguagem, como se percebe, compreender a estrutura dessa linguagem não é mais do que olhar para cada um dos elementos e apreender as suas características específicas, vamos então tentar compreender melhor alguns dos mais importantes.
O PONTO
A unidade mais simples. Mínima. Na natureza o ponto é a formulação mais corrente (a recta é menos evidente). Uma pedra atirada a um lago vai dar origem a amplos pontos que são os círculos que se vão desenhando na água. Redonda ou curva é a natureza. Numa folha branca um ponto, colorido ou não. Um buraco ou uma mancha, é o que tem mais força visual... é para lá que os nossos olhos apontam.
Depois repare-se que dois pontos constituem uma ferramenta exacta para a medição do espaço, qualquer que seja o plano em que se trabalho (num estirador ou numa estrada). Em grande quantidade e sobrepostos os pontos dão-nos a ilusão de cor ou tonalidade (as manchas), veja-se a obra de Seurat e a sua exploração estética do fenómeno de fusão visual que muitos pontos provocam. A capacidade única que uma série de pontos possuem para guiar ou conduzir o olhar mais se intensifica quanto mais próximos os pontos estão uns dos outros.
A LINHA
Uma linha não é mais do que um enorme conjunto de pontos tão próximos que não se podem reconhecer individualmente. Na comunicação visual a linha assume um papel primordial, dando a sensação de energia de dinâmica e movimento. É fundamental para a liberdade criativa mas é também um elemento primordial da precisão (na arquitectura, por exemplo). Tanto pode servir como base para um trabalho que reflita flexibilidade e experimentalismo como é empregue como elemento de rigor. Mostra o invísivel, aquilo que está na cabeça do criador.
Por isso, a linha pode adoptar formas muito diferentes umas das outras, disciplinadas ou indisciplinadas, delicadas, finas, onduladas, agressivas, vacilantes ou indecisas. Tudo depende da obra que se quer registar. Um manuscrito é constituído por linhas, desenhamos imagens quando escrevemos à mão. A linha é isso mesmo, reflecte a mão e a alma de quem "escreve".


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