domingo, 6 de março de 2011

A Teoria da Forma e o Papalagui

GESTALT OU TEORIA DA FORMA
DEFINIÇÃO:
Gestalt (do alemão) pode ser traduzida por forma, padrão, ou, de forma mais completa, pregnância da forma.
A Gestalt é uma teoria psicológica alemã sobre o fenómeno da percepção visual, que considera que determinados factores, como equilíbrio, clareza e harmonia das formas que vemos, contribuem para melhor estruturar essas imagens no nosso cérebro, por terem em conta padrões de organização desenvolvidos pelo sistema nervoso.
 

"O todo é maior que a soma das partes"
A frase que abre esta reflexão é, possivelmente, aquela que de imediato se associa à Gestalt ou Teoria da Forma, pelo menos se fizermos uma busca a partir do Google. Mas, mais importante do que encontrar formulações eruditas, o meu objectivo ao fazer esta pesquisa, na sequência do desafio do Professor Bruno Giesteira, foi tentar perceber até que ponto uma "teoria" que nasce no âmbito da psicologia, nos ajuda a olhar de forma diferente para aquilo que nos rodeia. Melhor, nos ajuda a organizar informação e a transformá-la em comunicação.
Curiosamente (ou não), ao ler sobre a Teoria da Forma veio-me de imediato à cabeça um livro que li há alguns anos. Chama-se Papalagui (que significa homem branco) e, embora o seu interesse esteja mais nas questões da antropologia, permite-nos, julgo eu, fazer uma excelente extrapolação para o tema que estamos a abordar. O livro é composto por uma série de discursos de um chefe indígena de Samoa que reflectem a sua percepção do mundo ocidental. O resultado é uma obra de um humor hilariante, mas que coloca questões profundas, questionando-nos sobre as nossas certezas. Mas, sobretudo, mostra-nos que aquilo que vemos, o que pensamos, está condicionado pelas nossas circunstâncias. O homem dito "civilizado", senhor da verdade, do conhecimento, da sabedoria é olhado pelo "bom selvagem", numa dimensão completamente diferente, porque diferentes são as circunstâncias e o peso dos valores cumulados por um e por outro. No fundo, o Papalagui obriga-nos a fazer perguntas como: o que é cultura? o que é civilização? o que é belo? o que é feio?
Na verdade, se estivermos atentos ao que nos rodeia, a nossa vida é feita destas interrogações. As nossas manifestações criativas são sempre resultado das nossas circunstâncias juntamente com o domínio maior ou menor das técnicas. Isto é verdade também, e sobretudo, tendo em conta a Teoria da Forma, na comunicação visual. Christian von Ehrenfels (1859-1932), psicólogo austríaco,lançou, em1890, as bases do que viria mais tarde a ser conhecido como estudos da Psicologia da Forma (Gestaltpsychologie). A sua primeira constatação foi a existência de duas espécies de "qualidades da forma": as sensíveis, próprias do objecto, e as formais,próprias da nossa concepção. O agrupamento das primeiras em sintonia com as últimas forma um conjunto e possibilita a percepção. A outra grande descoberta da Teoria da Gestalt, considerada por alguns estudiosos como a mais importante, foi a chamada "Lei da Pregnância", um conceito que Paul Guillaume sintetizou desta forma: "O sistema tende espontaneamente à estrutura mais equilibrada, mais homogênea, mais regular, mais simétrica". Assim, a pregnância da imagem diz respeito ao caminho natural que ela segue em direcção à boa forma, que é, idealmente, a mais simples de todas. E essa simplicidade é formada justamente por equilíbrio,homogeneidade, regularidade e simetria.
A Teoria da Gestalt, nas suas análises estruturais, descobriu certas leis que regem a percepção humana das formas, facilitando a compreensão das imagens e idéias. Essas leis reflectem conclusões sobre o comportamento natural do cérebro, quando age no processo de percepção. Os elementos constitutivos da imagem são agrupados de acordo com as características que possuem entre si, como semelhança, proximidade,entre outras. O facto do cérebro agir em concordância com os princípios da Gestalt já poderia ser considerado a evidência fundamental de que a Lei da Pregnância é verdadeira.


Fica aqui, um excerto do livro "O Papalagui, que eu gostaria de partilhar com todos.
E, já agora, chamar a atenção para o facto de que quando nós vermos um prédio com vários andares, numa rua de uma qualquer cidade europeia, não significa que um "indigena", vindo de uma ilha distante, não possa ver uma coisa semelhante a uma árvore, com ramos por onde se vai subindo, com buracos que nos introduzem em locais, que por sua vez têm outros buracos para outros espaços, abafados e mal cheirosos, onde vivem famílias.
Finalmente, e mais importante, parece-me, nenhuma das visões é falsa. diferentes sim, porque diferentes são as associações que o cérebro faz perante as formas e os conceitos que percepciona.
O Papalagui
Discursos de tuiavii, chefe de tribo de Tiavéa
nos Mares do Sul (Samoa)

Recolhidos por Erich Sheurmann (após a I Guerra Mundial) 
Das arcas de pedra, das gretas de pedra,
das ilhas de pedra e do que entre elas há

O Papalagui mora, como o mexilhão do mar, dentro duma concha dura. Vive entre pedras,
como a escolopendra entre as fendas da lava. Tem pedras a toda a volta, de lado e por cima. A sua cabana assemelha-se a um baú de pedra posto ao alto; um baú cheio de cubículos e de buracos. Entra-se e sai-se da concha de pedra por um só e mesmo sítio. O Papalagui chama a esse sítio «entrada» quando entra na cabana, e «saída» quando sai, muito embora uma e outra sejam exactamente o mesmo. Há um grande batente de madeira que temos que empurrar com toda a força antes de poder penetrar na cabana. Mas isso é só um começo: somos obrigados a empurrar mais uns quantos batentes e só depois é que ficamos realmente dentro da cabana.

A maior parte das cabanas é habitada por maior número de pessoas do que as que há numa só aldeia de Samoa. E preciso, por isso, saber-se exactamente o nome da aíga. Porque cada aíga ocupa a sua própria parte do baú de pedra, no cimo, em baixo ou a meio, à direita, à esquerda ou mesmo em frente. Além disso, na maior parte das vezes, uma aiga nada sabe da outra, mas mesmo nada, como se entre elas houvesse, não apenas uma parede de pedra, mas Manono, Apolima, Savaii Quando uma aíga mora lá em cima, junto ao telhado da cabana, temos que trepar em ziguezague ou à roda, através de vários ramos, antes de chegar ao sítio onde o nome da aíga estiver escrito na parede. Vemos então uma graciosa imitação de um mamilo de mulher, o qual devemos premer até soar um grito que fará vir a aíga. Esta, graças a um buraquinho redondo e gradeado aberto na parede, vê se não se trata de um inimigo. Só depois abre. Se reconhece um amigo, desprende logo um grande batente de madeira solidamente fechado a cadeado e puxa-o contra si, o que permite ao visitante entrar por essa fresta na cabana propriamente dita.
Esta é novamente cortada por inúmeras e rijas paredes de pedra e assim continuamos a insinuar-nos de batente em batente, a passar de um baú para outro baú cada vez mais pequeno. Cada baú – a que o Papalagui chama "sala" – possui um buraco através do qual entra a luz, e se for grande, dois ou mais buracos. Esses buracos são tapados com vidro, que se pode afastar para fazer entrar ar fresco nos baús, coisa assaz necessária. Há, no entanto, muitos baús sem buracos para o ar e para a luz. Um Samoano depressa sufocaria num baú assim, onde não passasse ar fresco, como acontece em todas as cabanas de Samoa. Além disso, os cheiros da cabana-cozinha também têm que sair. O ar que vem de fora não é, em geral, melhor; é quase incompreensível que um homem não morra em tal sítio, que o desejo de sair dali o não transforme em pássaro, que lhe não cresçam asas para poder tomar impulso e levantar voo, rumo ao ar livre e ao sol.
Pois, mesmo assim, o Papalagui gosta dos seus baús de pedra e não se apercebe de quanto eles são malsãos. Cada baú tem o seu fim próprio. O baú maior e mais claro destina-se às fonos
Enquanto isso, as raparigas e as mulheres preparam as refeições na cabana-cozinha, dão brilho às peles para os pés ou lavam os panos. Se os Papalaguis são ricos e podem dar-se ao luxo de ter criados, são estes que fazem tais trabalhos enquanto os Papalaguis vão fazer visitas ou procurar novas provisões de alimentos.
Há, na Europa, tantos homens a viverem deste modo quantas palmeiras há em Samoa, ou mesmo muitos mais. Alguns hão-de ter, por certo, um desejo ardente de ver a floresta, o sol e a luz; mas isso é geralmente tido por doença a precisar de remédio. Quando alguém se não mostra contente com aquela vida vivida no meio das pedras, dizem: «É um indivíduo desnaturado», o que quer dizer: ignora o que Deus destinou para o homem.
Esses baús de pedra encontram-se em grande número e muito próximos uns dos outros; nenhuma árvore, nenhum arbusto os separa; encontram-se ombro a ombro, como homens, e em cada um deles há tantos Papalaguis como numa aldeia de Samoa. Do outro lado, à distância de uma pedrada, encontra-se uma outra fila de baús, igualmente ombro a ombro e habitados por homens. Entre essas duas filas há uma estreita greta a que o Papalagui chama «rua». Essa greta é, às vezes, tão longa como um rio e coberta de pedras duras. Muito se tem que andar, primeiro que se encontre um sítio mais desafogado; mas é aí precisamente que vêm desembocar outras gretas. Têm o mesmo comprimento dos rios de água doce e as suas aberturas laterais são outras tantas gretas de pedra, semelhantes às demais. Pode-se assim deambular dias inteiros entre essas gretas antes de se dar com uma floresta ou um naco de céu azul. Nunca, no meio das gretas, se vê, na realidade, a cor do céu. É que em cada cabana há pelo menos um, e por vezes vários sítios, onde se faz fogo, e assim o ar está sempre cheio de fumo e de cinza, como acontece durante a erupção da grande cratera de Savaii. Esse ar insinuase pelas gretas, de modo que os baús de pedra mais altos parecem-se com os limos dos pântanos de mangrove, e os homens apanham com terra negra nos olhos e nos cabelos e com areia dura nos dentes. Mas isso não impede que os homens percorram as tais gretas desde manhã até à noite. Alguns sentem mesmo com isso um especial prazer. Em certas gretas reina a confusão: escoam-se os homens por elas como espessa vasa. São as ruas que comportam enormes caixas de vidro onde estão dispostas todas as coisas de que o Papalagui necessita para viver: panos, ornamentos para a cabeça, peles para os pés e para as mãos, provisões de comida, carne, alimentos a sério como sejam os frutos, os legumes, e muitas coisas mais. Tudo ali está para tentação dos homens. Mas ninguém tem o direito de tirar o que quer que seja, mesmo em caso de extrema necessidade; para isso é preciso ter recebido uma licença especial e feito uma oferenda. Nessas gretas, o perigo ameaça por todo o lado, pois não só os homens caminham em tropel, como circulam e galopam a cavalo em todas as direcções ou se fazem transportar em grandes baús de vidro que deslizam sobre rampas metálicas. O barulho é enorme. Fica-se surdo dos ouvidos, por via dos cascos dos cavalos e dos pés dos homens cobertos de peles duras, que ferem as pedras do chão. Há crianças a gritar, há homens a gritar de alegria ou de terror, grita toda a gente! Só aos gritos é que conseguimos fazer-nos ouvir. A barulheira é geral: são uns estalos, uns batuques, um estrondo tal, que mais parece a falésia de Savaii em dia de grande tempestade. Mas o bramido desta é mais agradável, não nos dá cabo dos sentidos, como o das gretas. Resumindo: baús de pedra com os seus muitos homens, fundas gretas de pedra correndo para um lado e para outro, quais mil e um rios, com seres humanos lá dentro, barulho e estrondo, poeira negra e fumo por toda a parte, árvore alguma no horizonte e nada de céu azul, nada de ar puro ou de nuvens – a isto chama o Papalagui uma «cidade», criação de que muito se orgulha; quando muitos há, que ali vivem, que nunca viram uma floresta, um céu lavado ou o Grande Espírito, face a face. Homens que vivem como os animais que rastejam nos pegos e se escondem sob os corais; e ainda estes estão rodeados pela límpida água do mar, e o sol ainda lhes chega com a sua cálida boca. Orgulhar-se-á o Papalagui desses calhaus que assim juntou? O Papalagui é um indivíduo de um bom senso algo singular. Faz imensas coisas sem sentido que o põem doente, e apesar disso gaba-se e vangloria-se delas.
A cidade é, pois, isto de que eu acabo de falar. Mas há muitas cidades, cidades pequenas e cidades grandes. As maiores são aquelas onde moram os chefes do lugar com postos mais elevados. As cidades encontram-se dispersas no meio das terras, como as nossas ilhas no meio do mar. A distância que as separa corresponde por vezes à que nós temos que percorrer para ir tomar banho ao mar, mas também, outras vezes, a um dia de caminho. Todas as ilhas de pedra estão ligadas entre si por caminhos já traçados. Mas pode-se igualmente viajar num barco terrestre, comprido e estreito como um verme, que cospe fumo sem parar e desliza com grande rapidez sobre uns fios de ferro, com mais rapidez do que uma canoa de doze lugares em plena corrida. Mas se apenas quisermos dizer talofa
Entre todas essas ilhas de pedra, estende-se a terra propriamente dita, chamada Europa. É uma terra em parte bonita e fértil, como a nossa. Tem árvores, rios e florestas e também aldeias verdadeiras. Embora as suas cabanas sejam igualmente de pedra, nem por isso deixam de estar, na maior parte das vezes, rodeadas de árvores carregadas de fruta; a chuva lava-as por todos os lados, e seca-as o vento.
Nessas aldeias moram homens dotados de natureza diferente da dos habitantes das gretas. Chamam-lhes homens do campo. Têm mãos mais rugosas e panos mais sujos que os homens das gretas, muito embora possuam muito mais de comer do que eles. A sua vida é muito mais bela e saudável do que a dos homens das gretas. Mas não é isso o que eles acham, e por isso invejam os outros a quem chamam mandriões, por eles não trabalharem na terra, nem enterrarem e desenterrarem frutos. São ambos inimigos, pois os homens do campo têm que alimentar os homens das gretas com o produto da sua terra, guardar, criar e engordar o gado e partilhá-lo com eles. De qualquer modo, custa-lhes sempre muito abastecer de alimentos os homens das gretas e nunca percebem realmente por que é que estes usam mais belos panos do que eles, têm mãos mais brancas e não são obrigados, como eles, a suar ao sol e a tiritar à chuva. Coisa que, de resto, preocupa muito pouco o homem das gretas. Este está persuadido de que tem direitos superiores aos do homem do campo e que aquilo que faz tem mais valor do que enterrar ou desenterrar frutos. Este conflito entre as duas partes não provoca contudo qualquer guerra entre elas. Quer viva entre gretas, quer viva no campo, o Papalagui acha que tudo está bem como está. Quando o homem do campo entra nas gretas, admira o poderio do homem que as habita, e este canta e arrulha sempre que atravessa as aldeias do homem do campo. O homem das gretas deixa o homem do campo engordar artificialmente os seus porcos, e este deixa o homem das gretas construir e gozar os seus baús de pedra.

Quanto a nós, filhos livres do sol e da luz, desejamos continuar fiéis ao Grande Espírito e não
sobrecarregar com pedras o seu coração. Só indivíduos desvairados e doentes, homens que largaram a mão de Deus, serão capazes de viver felizes entre gretas daquelas, sem sol, sem luz e sem vento. Reconheçamos a incontestável felicidade do Papalagui, frustremos as suas tentativas de construir, ao longo das nossas margens banhadas pelo sol, os seus baús de pedra, e de destruir a nossa alegria com pedras, gretas, sujidadebarulho, fumo e areia, como é desejo seu fazer.

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